terça-feira, 16 de dezembro de 2008

< ENTREVISTA COM O MARACATU VIGNA VULGARIS >



Com uma proposta de som que classificaria como MPB Pós-moderna, o Maracatu Vigna Vulgaris tornou-se uma das referências para quem deseja realizar algum projeto musical cearense autoral alternativo. Digo isso não só pela sonoridade alcançada, mas também pela forma de atuação e idéias propostas nas letras.

Misturando as batidas do som regional, a riffs poderosos, presença cênica marcante dos integrantes, a energia do seu front man e idealizador, Brenner Paixão, posso colocar o Vigna no degrau máximo das bandas locais.

No myspace da galera < www.myspace.com/maracatuvignavulgaris > você pode conferir o que estou falando, lá também encontrei uma curiosidade, que diz respeito ao significado da expressão título do conjunto;

``A origem do nome: Vigna vem do latim, é o nome cientifico do feijão de corda (Vigna unguiculata). Vulgaris é o nome específico do feijão mulatinho, também conhecido como carioquinha (Phaseolus vulgaris) na linguagem popular. O feijão de corda é mais cultivado nas regiões Norte e Nordeste do país, sendo o Ceará um dos maiores produtores. O feijão mulatinho é consumido em todo o país. Vigna vulgaris simboliza a fusão proposta pelo grupo, a junção cíclica do regional pelo universal e o universal pelo regional.´´

Olha que doido, já sentiu o conteúdo né? Então pra não enrolar muito, segue a entrevista com o criador dessa história e o atual guitarrista, Tiago Barbosa...

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Apasseio > A Vigna Vulgaris é uma banda que representa um som negro, a negritude mesmo... Como surgiu essa proposta de misturar o som afro do maracatu cearense e cordas sintetizadas, efeitos, timbres rock, jazz... ?


Brenner > A semente da Vigna surgiu na época em que eu estudava agronomia na UFC, ai já participava de vários grupos, o coral com os ensaios religiosamente as terças e quintas, onde aprimorava a parte do canto, as técnicas... Fazia também o curso de extensão em música no conservatório Alberto Nepomuceno... Acho que foi a partir desse momento, onde consegui ver a música como ciência, você já ganha uma confiança maior no que pode criar e mostrar pras pessoas.

Aí em 2003 entram novos calouros na UFC e um desses novos estudantes é Telwi Militão, filho do Pingo de Fortaleza que é cantor e compositor. Então a gente se topou lá na agronomia nos espaços coletivos, onde debaixo do braço sempre existia um violão.

Eu era também diretor cultural do DCE (diretório Central do Estudantes) e vivia nessa movimentação cultural da universidade, nos blocos, montando as calouradas e incentivando a galera, debatendo essa questão da música autoral... Inclusive na agronomia existia uma tradição muito grande bandas de forró...


Apasseio > Forró pé de serra?


Brenner > Não, esses forrós mesmo fuleragem... Até tinha uns pé de serra, mas quando apareceu os fuleragens, também entrou... Eles têm uma capacidade de mobilização muito grande, apoio, mídia, acabou que eles tomaram de conta da agronomia. (Risos)


Apasseio > Rapaz aconteceu à mesma coisa na calourada geral da Unifor, antes era Engenheiros do Havaí, Lobão, Dona Leda... Hoje é Forró Moral, Aviões do Forró, Forro dos Play, tocando pra 25 mil pessoas com o ingresso a R$20, R$30 conto...


Brenner > É eu lembro, lamentável... Mas então, continuando... Aí a gente se fortaleceu ali pelo mangueiral, nos espaços de convivência, perto do restaurante universitário, aproveitamos a movimentação da universidade, cheia de ciência, música, pesquisa... Rapaz, 24h por dia na UFC, interagindo com vários setores, eu era da agronomia, mas vivia na pedagogia, ai depois ia pro conservatório e já encontrava uma galera do teatro da música, ai descia com o pessoal do DCE pra Porangabusu e encontrava galera da enfermagem, medicina e já fazia discussões com o povo dos CA’s, debatendo principalmente a cultura dentro da universidade, a cultura regional...

Tanto que as calouradas desse período inicial da Vigna, as calouradas foram altamentes regionais, coisas temáticas que fizeram parte da construção da universidade e e cultura brasileira. Era couver do Raul Seixas, Banda Salt... Não era Aviões do Forro, Forró pra balar, couver do Lagosta Bronzeada, sei lá...

Então tivemos uma idéia de montar uma banda que trabalhasse músicas autorais e algumas músicas sem o contexto midiático... Ensaiamos duas semanas, convidamos o Emanuel Jr Manchinha, conhecido pelas áreas, apareceu Fabiano de Cristo da pedagogia no incremento da percussão, o Parangaba no baixo, Telwi na guitarra eu na voz... Daí saiu a primeira energização da Vigna Vulgaris! Isso com Pingo de Fortaleza como produtor e padrinho...(juro que o olho do negão brilhou quando ele lembrou dessa passagem)


Apasseio> Uma coisa que noto e admiro muito na Vigna é que vocês mesmo se produzem, tu, o Zé da Lua, a Michele, vocês são os produtores... Aqui em Fortaleza só vai dessa forma, no faça você mesmo?


Brenner > Acho que isso é mais pela nossa formação mesmo como artistas, a gente deu sorte de estar inserido nesse meio, principalmente no pólo cultural do Benfica, onde tem profissionais que já estão trabalhando na área. Parte também duma filosofia de vida, não ficar dependendo de uma coisa... De esperar alguém fazer por você...


Apasseio> Você acha que tem muita banda por aqui que acaba não desenvolvendo porque não corre atrás, não coloca o pé na estrada?


Brenner> Não, não... Tem que separar... O fato de você produzir pra sua banda, tanto pra fazer um show, uma reportagem, uma palestra... Porque a Vigna já entende que o mercado tem seus momentos, então a gente naturalmente se diversifica no fazer artístico, não nos limitamos só a show.

A Vigna quando surgiu teve uma intensidade de apresentações, parecia uma batalhão querendo invadir e conquistar um império, ai vem o momento, você conquista, vem os projetos, aí diminui...

Agora tem os preconceitos do mercado, a desinformação, a discriminação do som autoral, mas também isso não impossibilita de você produzir... A gente produz pela necessidade de criar, pela nossa personalidade mesmo... No nosso pensamento nos somos uma empresa... Gilberto Gil já ensina, logo quando começou sua carreira em Salvador ele abriu a Gilberto Gil Produções Artísticas...


Apasseio> Isso tá virando tendência? Até pela modernidade e facilidade de fazer musica?


Brenner > è sim, é tendência... O Zé da Lua (percussão) mesmo está pra São Paulo fazendo oficinas de Maracatu cearense em várias ONGs de lá , principalmente na comunidade dele, São Miguel Paulista, um reduto de música alternativa... os Racionais Mcs são de lá... È porrada meu irmão...(risos)


Apasseio> Como você mesmo disse, seu trabalho como artista é diversificado, você dá aula de percussão, ator, produtor cultural... A pergunta então é a seguinte... Como é viver de arte em Fortaleza?


Brenner > É muito trabalho e pouco dinheiro! Mas é um pouco dinheiro que dá pra escapar né, mas a coisa está crescendo... eu acho que o ponto principal é a comunidade, acho que para os artistas viverem da arte muito bem, a saída é transmissão de conhecimento dos artistas... Utilizar a arte-educação nas comunidades como forma de cidadania. Isso pra cultura popular, para os artistas é ótimo... Pois é isso que vai gerar a valorização dos artistas da terra, a valorização da história local...


NESTE MOMENTO O GUITARRISTA DA VIGNA VULGARIS,TIAGO BARBOSA, CHEGA NA CASA DO BRENNER E PARTICIPA DA ENTREVISTA


Apasseio> Cara eu tenho uma crítica aos artistas daqui... Eu acho que a galera depende muito da Prefeitura, do Governo... Isso não é negativo no âmbito da autonomia? Até porque arte é sinônimo de liberdade...


Brenner > Acho que o problema maior não é esse ai não, pois na realidade quem faz os projetos são os artistas, os espetáculos e qualquer outra forma de produto artístico. O governo tem os editais que a gente pode participar, o problema é que esses editais contemplam uma porcentagem mínima para a demanda de artistas que fortaleza comporta...


Apasseio> Mas a minha critica é justamente essa, não se dá pra esperar pelo governo nesse país...


Brenner > Mas Matheus... É o sistema e a forma que ele funciona, tem o Governo, o público, a empresa, o privado e o cidadão. Pra você pegar um apoio da empresa privada você tem que no mínimo ter uma carta do público, do governo dizendo que você culturalmente é... para eles liberarem verba... é a troca das porcentagens que é mínima pra cultura... o menor orçamento...


Apasseio> Mas Brenner porque o forró consegue? Esses dias eu tava no bar bebendo e chegou um cara distribuindo um cd gravadinho, com encarte, telefone e a porra toda...De graça meu irmão! Acredito que existe uma outra forma de produção onde os Governos não participam tanto e percebo isso nessa vertente...


Brenner > No interior do Ceará existe um movimento muito forte dessas bandas com as prefeituras e elas não inserem bandas de rock ou bandas alternativas... é uma ou outra vaquejada que diversifica, o negócio é o entendimento do produtor cultural...


Tiago Barbosa > Uma banda de forró fuleragem começa como um negócio, o cara faz um investimento, divulga a banda dele, já tem toda a aparelhagem que ele precisa pra viajar e fazer vários shows durante o mês, a semana... Um cara desse não tem interesse de fazer outro negocio, ele pega o que está mais facil de vender, o que tem maior aceitação do público que também já está pronto...


Brenner>
Mas isso daí é ótimo pra produção, agora assim, as bandas independentes tem que correr pra abrir espaço no público e no privado...


Apasseio> Mas então, quando tem banda de fora lota tudo, a galera paga R$15, R$20, R$30 pra ver... Porque com as bandas alternativas daqui isso não acontece isso? Porque não se consegue essa visibilidade e maior intensidade de transmissão da mensagem?


Brenner> Acho que aí existem várias visões, por exemplo: o maracatu cearense. É um movimento cultural que já possui um cotidiano de pessoas que o constrói a muitos anos, a mais de séculos... e o movimento cultural da cidade continua. Quando a gente bota a questão do mercado e a cultura tradicional, aí vem esse empecilho... Uma cultura como o maracatu depende de si próprio, existe um apoio público mais é mínimo, os artistas que fazem essa tradição não é só dependente do governo, mas depende pra se desenvolver...


Apasseio> Mudando de assunto, Fortaleza possuiu nos últimos dez anos vários movimentos assim como momentos , cito o cidadão instigado, o movimento cabaçal, a onda reggae, vocês com o regional, depois o Leudo com a arte proibida, galera da Montage e os eletro da vida, ai veio a sambahempclube e tantos outros que podem ser citados... Dito isso, eu sempre pergunto pros entrevistados do blog se a ida para o sudeste realmente é a emancipação das bandas locais ou isso não é mais a saída?


Tiago Barbosa> Eu acho que o ideal é fazer o movimento aqui, é uma coisa legal pra caramba ir pra São Paulo, mas a saída ideal é fazer o movimento aqui, fazer a coisa acontecer por aqui...


Brenner> Rapaz... Eu acho que o bom é tocar em todo canto do mundo, porque ai a gente conhece todos os estados, todas as cidades, circular... Mas o ideal é fazer o movimento aqui, o que eu acho que já existe... Acho que você tá querendo saber é como pode ser a forma de ampliar o que acontece...


Apasseio> Pra ir finalizando... E o segundo cd da Vigna vulgaris? Algo que possa falar? Já tem nome? Alguma novidade?


Tiago Barbosa > Será que já tem nome? Porque o show já tem nome...


Brenner > É o show chama-se `` Meio-Ambiente de Esperança Louva-a-Deus e Cavalo do Cão´´... hehehe


Apasseio > Eita Porra!! Papoca é tudo meu irmão!

(Risos generalizados)


Brenner > É porque a gente faz uma revisitação da cultura tradicional brasileira, esse nome... `` Meio-Ambiente de Esperança Louva-a-Deus e Cavalo do Cão´´, aborda a questão do espanto, o bem e o mal. Isso o Zé Ramalho fez em 76, quando ele lançou ``A peleja do diabo com o dono do céu´´. Uma capa doideira com o Zé do Caixão todo huaaa!!.


Apasseio > E a previsão de lançamento do segundo cd?


Brenner >
Lá pra meio do ano de 2009, daqui uns seis meses, com o apoio de UV Miranda... Legal dizer Matheus que a gente ganhou essa gravação do CD como prêmio do Novembro da Consciência Negra, lá na Praça do Ferreira em 2007, fomos contemplados com o prêmio.


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