sábado, 28 de fevereiro de 2009

< ENTREVISTA COM ANDRÉ ``MONOPHONE´´



Oriundo dos anos 70, um homem de hábitos noturnos, cantor visceral e produtor visionário, assim defino essa figura da cena alternativa de Fortaleza, André ``Monophone´´.

Num bate-papo recheado de gírias e histórias curiosas pude conhecer mais de um músico que estréia nos palcos aos 27, aos 30 participa dum reality show na rede Globo, toca na MTV, produz uma das melhores noites de Fortaleza é um eterno apaixonado por Jim Morrison e amante declarado do Rock...

Ladys na gentlemans I give you.. André

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Apasseio > André, sua historia profissional com a música começou um pouco mais tarde do que o convencional, somente aos 27 anos. Esse lance da idade interferiu alguma coisa ou não teve nada disso?

André > O que aconteceu mesmo foi que eu não comecei aos 27, a minha relação com a música vem desde criança, eu sempre quis tocar, meu sonho sempre foi ser o que eu sou hoje, um músico, cantar e viver disso, bem ou mal... Eu vivo disso!

O que rolou aos 27 anos foi que eu fui convidado para entrar numa banda, antes disso eu nunca tinha cantado, nunca tinha ensaiado e feito nada, a minha relação com a música era escutar, ser um amante que ao escutar fechava os olhos e se imaginava em cima do palco, fazendo aquele show... Cresci sentindo isso. Então quando esse meu colega fez o convite, eu disse que não tocava nada, nenhum instrumento, ai ele falou que cantaria e fui tirar o som com a galera, na brincadeira e sem compromisso mesmo.

Na banda tinha só um cara que tocava mesmo, o baixista (Davi). Depois de cantar e ensaiar ele veio e me falou. – Cara tu canta!... Meio sem acreditar falei logo pra ele ir com calma – Pêra ai bicho, néeeeee assim nãaaaao, eu vi um show do Jim Morrison ali e não é assim nãooooo bicho... Tu acha que Led Zeplin era isso? Né assim não é muito além...

Só sei que ele me chamou no canto, falou que era por ali mesmo e com estrada, dois dias depois a gente montou uma banda que ficou muito conhecida aqui em Fortaleza, a The Singles, onde o repertorio eram músicas dos anos 80, 90, na verdade as músicas que vivemos e gostávamos.

A gente foi a primeira banda junto com a Miami Vice que começou a tocar The Smiths e esse estilo de som, no caso a própria Miami Vice era a banda que antecedeu a The Singles e quando uma acabou, a outra já veio seguindo a formula e pensando de outra forma... – Vamos ganhar uma grana na noite!...

Apasseio> Isso foi quando mesmo? Final dos anos 90?

André > Por ai, hummm... mais pra início de 2001... Isso! Exatamente 2001... Em 99 , 2000 já estava rolando essa ceninha em Fortaleza, essa coisa da galera que veio do Noize 3D, os remanescentes desse período... O Dado que era o dono e responsável por fazer essas festas... fazia no início de tudo umas festas no Rits (atual Bar dos Cobras)... Esse primeiro circuito indie de Fortaleza surgiu mais ou menos nessa época. Enfim, montamos uma banda, foi um sucesso na cidade e daí começa minha história com a Órbita.

Apasseio > Através de uma apresentação da The Singles?

André> Rapaz a gente fez um show e o segundo já foi na Orbita. Na época era uma casa que estava se consolidando na noite de Fortaleza como o point da cidade.

Apasseio > Lembro total, Dona Leda na Quinta...

André > Isso, Dona Leda na quinta, Domingo uma coisa louca e eclética e Matutáia na sexta com sucesso absoluto... Diga-se de passagem que a Matutáia abriu essa esfera de ``Vai ter banda tocando na noite´´... Antes as pessoas saiam pros bares e não existiam bandas, era só o vilolãozinho tocando Djavan, muitas coisas boas por sinal, mas a cidade cresceu e a juventude apareceu, já no reflexo de tudo que aconteceu na cultura ocidental, Nirvana já tinha acontecido e aqui a gente não tinha nada pra refletir isso, a gente tinha que viver o sonho do americano... Então quando na década de 90 começaram a aparecer essas bandas locais e tal, começou a surgir uma movimentação.

Apasseio> Então, voltando à pergunta... O lance da idade...

André > Esse lance da idade era o seguinte, eu lembro bem que tinha 25 anos, tava na faculdade, num grupo de pesquisa da engenharia e tal, umas historia doidas de matemática aplicada, aí o Coldplay tinha acabado de surgir. Eu conheci a banda devido a um vídeo trazido por uma amiga da Inglaterra, ao vivo, uma história de início da banda, gravado num lugar pequeno, mas já com uma estrutura massa... Isso era final dos anos 90 e estava começando o lance do Napster (Primeiro Emule da história)... O que pra galera de hoje em dia é uma moleza esse transito de músicas, mp3 e tudo, mas na minha época não tinha isso.

Então era o seguinte, durante os períodos que ficava nesse grupo de estudo lá Unifor, nos estagiários tínhamos um laboratório com computadores a nossa disposição e um deles sendo o mais foda e veloz que podia existir naquela época, mas bota Foda nisso! Gigantesco, tela de 21 polegadas e era por ele que entrava o link de Internet da Unifor.

Apasseio > Já vi tudo kkkkkkk

André > Bicho a gente tinha liberdade total com aqueles computadores e ai que eram 4 caras tirando onda com a máquina. A velocidade do que baixávamos discos e músicas pelo Napster era coisa de doido. Se bobear, até hoje esse computador ta cheinho de músicas. Foi devido a esse computador que pude ouvir coisas novas, dentre elas o Coldplay, uma banda que tinha certeza que daria certo.

Fui atrás de saber mais coisas sobre a banda e descobri que o vocalista tinha 25 anos de idade. Eu tinha na época a mesma idade, ou era apenas um ano mais velho que ele... Na mesma hora eu pensei; - Bicho ainda dá tempo, dá tempo Bicho!...

Nessa época eu tinha preocupação com a idade, porque assim bicho, quando você entra na faculdade e é treinado pra fazer outra coisa, se preparando pra ser engenheiro eletrônico, você pensa que nem todo mundo. – Não dá pra ser músico! Não Rola!... Mas eu também não queria ser um cara crachá, não queria acordar levantar pra bater meu ponto, chegar em casa, da um beijo na criança... Então depois que eu vi o Ken e o Giovani da Matutáia cantando e eu não estando muito longe, o Davi tirando o som e dizendo que eu cantava, percebi que com ensaio, exercício iria rolar...

Apasseio > Depois dessa fase acredito que uma época muito marcante pra você foi a história de ter participado do programa Fama, uma parada que deve ter tido os dois lados da moeda pela exposição que teve, mas também deve ter sido uma experiência artística sem procedentes...

André > Bicho, eu tava nessa época tocando numa banda chamada Drive In, onde posso dizer que eram os melhores músicos da cidade.

Apasseio> Quem eram mesmo?

André> Adriano Azevedo na bateria, João Neto no baixo e Edilberto Figueiredo na guitarra. Então eu estava tocando nessa época de segunda a sábado, na noite, ganhando uma grana e vivendo uma vida de Rock and Roll... Rapaz foi um ano de Babarie... Nessa época dividia um apartamento com uma amiga engenheira da Petrobras, a Julia... Eu andava meio deprê porque já sabia que queria viver de música, mas também sabia que não era aquilo que eu iria fazer pra viver. Tocar na noite chega uma hora que perde o autoral da historia ai é foda.

Apasseio > Aí é justamente quando surge o convite?

André> Cara essa história é legal de contar... Eu tava ensaiando na varanda uma música do Duncan Sheik - Barely Breathing, tinha que tocar no Fafy e tal. Só sei que estava tocando e na hora do break da música comecei a escutar uns aplausos vindos das varandas do prédio, os vizinhos aplaudiam, fiquei de cara. Bicho, a minha ex-namorada veio com a história da inscrição do Fama e ai eu mandei o vídeo com essa música. No outro dia, onde tava fazendo a gig no Fafy e pensando no que eu tinha gravado, Bicho eu só pensava assim. - Fudeu Bicho, vai rolar, a gravação ficou foda!... Rapaz eu virei pro Edilberto e já disse pra ele que ia rolar e que tinha dado certo.

Fora isso eu também tinha outros entendimentos sobre os quesitos de escolha, ou seja, sabia que Fortaleza era a quinta capital do país, que a Orbita era uma referência de visibilidade rock, sabia que tinha potencial pelo fato de tocar na noite... Enfim bicho, eu percebi que tinha grandes chances. Não era que eu me achava mais que 60 mil pessoas inscritas, eu sabia que tinha grandes chances porque na Globo tudo é calculado, eles fazem pesquisa antes, enfim, depois desse dia eu senti a energia que iria rolar... Porque bicho...(pausa dramática e reflexiva)... Tinha quase três anos que eu tocava na noite, consegui ver no programa uma oportunidade de tirar férias.

Apasseio > kkkkk Quer dizer que tú foi na vibe de tirar férias no projac?

André > Eu costumava dizer e vários amigos meus devem lembrar, o seguinte; – Eu vou tirar férias pagas pela Globo!... Mas assim, quando cheguei lá, eu encarei a coisa toda com muita seriedade, já pensei logo. – Agora que eu tô aqui, vamos mostrar a bunda meu chapa... Porque tem muita gente que vem com aquele papinho e bla bla bla...

Você acha que o Caetano Veloso tem alguma coisa contra a Globo? Você acha que o Tom Zé tem alguma coisa contra a Globo? Que nada, a Globo faz é patrocinar essas pessoas, vende a idéia, o trabalho e mais, fora do que muita gente imagina, pelo menos o núcleo do qual estava participando era formado por pessoas absolutamente desse circuito do qual eu faço parte.

Tipo, quando eu entrei no programa era nítido que a galera da produção ouvia REM e não Axé. Para você ver, eu vi o Boninho sentado do meu lado discutindo as músicas da tropicália que a galera iria cantar. To falando de um cara que muita gente acha que é playboy e manda e desmanda por ser filho de fulano, mas na verdade é um puta cara informado... Isso me faz pensar que o mundo deu uma volta, do tipo; pêra ai? É esse tipo de gente que está por trás dessa parada? Eles curtem o que eu curto?

Sem contar isso aqui (neste momento o entrevistado aponta para o celular), esse chip deve valer muito. Todo tipo de contato eu fiz naquele lugar.

Apasseio> A próxima fase foi o retorno a Fortaleza, o que deve ter sido doideira.

André > Como eu já tinha uma historia aqui e conhecia o povo da mídia, da noite, do circuito, a idéia que ficou é que o André tava voltando do Fama, não o ‘’André do Fama’’. Eu soube me resguardar, receber a energia, o carinho da galera, passei um tempo recebendo parabéns, contando a experiência aos colegas, mas no geral não gastei muita energia porque sei que a história muda rapidinho.

Então foi o seguinte, quando eu fui pro Fama recebi a mensagem do quarto conglomerado de comunicação do mundo me dizendo que poderia fazer parte daquilo tudo, como quem diz, esquece a Engenharia e faz música, foi uma coisa que funcionou pra eu ver que meu caminho não poderia ser diferente do da música. Pra você ver, quando eu voltei fiquei 6 meses só de boa, curtindo, esperando o dinheiro acabar e pensando no projeto autoral que queria montar, foi daí que surgiu a Monophone.

Apasseio > Você tem esse lado músico, mas tem o lado produtor né? Inclusive aposta no projeto de formação de públicos de bandas locais autorais as sextas no Orbita. Como é essa sua ligação com os bastidores já que também é da linha de frente?

André > Um dia a patrícia, uma das donas do Orbita me chamou pra conversar e falou que gostaria de desenvolver um projeto do circuito autoral, dizendo que sempre teve essa idéia, mas ninguém desenvolvia nada legal e tal... Aí ela propôs pra montar um projeto e aí eu fui fazer... isso em 2006.


Então eu fiz isso pelo fato de que lá na Orbita depois do show a banda recebe o cachê combinado em chash e é acreditando nessa postura profissional que o projeto de tributos e uma banda autoral abrindo veem dando certo.

Inclusive já foi muito criticado pelo fato de uma banda autoral abrir pra outra cover... Na real mesmo, quando a gente monta uma parada dessa, a preocupação é fazer o negócio funcionar, a regra é sempre essa, chegue apareça e depois a gente conserta o que você faz. E mais fácil eu te expor agora e garantir que vai ter gente te vendo, do que eu simplesmente sair te expondo e dizer depois que não dá certo. Porque a galera que anda na Órbita não estava a fim de escutar um som autoral e outra, banda boa é difícil.

Apasseio > Rapaz eu sou meio inquieto porque eu acho que fortaleza poderia ser mais parecido com Recife, no âmbito da produção cultural mesmo, da fomentação e profissionalismo da moçada alternativa. O que você acha disso? Dá ou não dá pra ser?

André > Eu já ouvi o Paulo Andre do Abril Pro Rock falar que Recife não tem uma cena, assim... Em Recife existem as bandas, elas estão lá, possuem uma produtividade cultural absurda, mas não tem onde tocar e dependem dos festivais que acontecem por lá. Em Recife está muito recente esse pós Chico Science, depois dele não apareceu ninguém, acho mais ou menos como as pessoas que tentaram depois do Fagner, Belcchior, daquela galera que deu certo na época. Deve ter uma galera que veio na seqüência desses caras que não conseguiu, mas que era boa e independente. Acho que hoje isso também acontece em Recife.

Por exemplo; Tem um evento lá que é muito forte, de uma pessoa muito querida, a Ana, do Coquetel Molotov, que luta pela causa do Recife, está sempre a frente e sou fã dela. O que precisamos é de gente tomando a frente, pessoas de vanguarda pra produzir as coisas. Porque Recife vive uma situação muito parecida com a nossa de escassez de espaços, excessos de bandas, imagina ai quanta banda boa deve ter pelo nordeste todo?

Na verdade por estar hoje em Fortaleza a gente consegue desenvolver uma coisa maior, de boa mesmo, eu acredito que a cena de Fortaleza poderia ser do tamanho da de São Paulo.

Apasseio > Mas o que tá faltando pra isso acontecer então?

André > Tá faltando produção, investimento cultural do Governo nas pessoas certas. Eu acho que agora esta chegando gente no poder, as pessoas da nossa geração que estão vindo focadas nisso. O próprio Goveno do estado vem investindo nessa situação, junto com a Luiziane de acreditar que o turismo é altamente enriquecedor pra essa cidade e o que tem que acabar são outras coisas.

Apasseio > Qual é o papel do artista nessa historia, nesse processo?

André > Oferecer um trabalho bom... Deixa eu ler um trecho interessante desse livro que fala exatamente disso... – O livro em questão era do escritor e produtor fonográfico André Midani - `` Música, ídolos e poder: Do Vinil ao Download´´ -

`` Era 1985 e desde 1970 até aquele momento respeitava-se a premissa de que para desenvolver um artista se levaria três anos. O primeiro disco era sempre considerado um teste de mercado e perder dinheiro era um contingência, com o segundo ainda se perdia algum porem muito menos e com o terceiro dava pra recuperar as perdas, a partir do quarto disco se poderia finalmente esperar ganhar dinheiro e, as vezes, de fato muito dinheiro. Durante esse período evolutivo, o público e o artista tinham tempo para desenvolver simultaneamente um relacionamento progressivo íntimo e duradouro´´.

Isso pra mim quer dizer que devemos apostar na carreira. Se você ver um artista que consegue colocar duzentas pessoas na frente dele pagando R$15,00 naquela condição, ofereça a mesma condição ao publico que eles retornaram, bote essa banda pra produzir um material que seja verdadeiro pra eles, que eles atingirão o publico. Hoje em dia o mercado tá pra todo mundo.


Apasseio > PAPOCA!

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