segunda-feira, 29 de setembro de 2008

< VIAJANDOOOOOOO OOOOOOO OOOOOO >


Há um mês atrás estava trabalhando para um jornal especializado em agronegócio, uma das pautas a serem realizadas foi à cobertura da Expocrato, a maior feira de agropecuária do interior do Estado DO Ceará.

Como o jornal é de pequeno porte, a verba disponibilizada era curta e tive de me hospedar numa pousada familiar, daquelas que a dona é a chefe de tudo e os filhos a ajudam nas tarefas. No final do meu primeiro dia de trabalho na região do Cariri, ao me dirigir para o banheiro da pousada cruzei com dois negros de alta estatura e sotaque baiano puxadérrimo, os comprimentei – Opa, boa noite...Responderam – Opa, boa noite (engraçado como na escrita é difícil representar um sotaque).

Durante o banho senti um forte cheiro de cannabis vindo de uma espécie de loft nos fundos da pousada. Saindo do banheiro notei que um barulho alto de vozes e som de violão também vinham daquele mesmo lugar. Não agüentei, a curiosidade foi maior, fui até lá.

- Opa boa noite moçada, com licença.


Naquele momento estavam no loft os sete indivíduos da foto, todos cambistas, a maioria de origem soteropolitana. Diante da aparição inesperada e desconhecida, os presentes responderam com educação. Notando a surpresa, fui abrindo o jogo...

- Cara também estou hospedado na pousada e ouvi um barulho de conversa e o som de viola vindo daqui, resolvi chegar junto pra ver de qual é.

Depois “dá real” e de sabatinado sobre meu nome, de onde era, o que fazia e outras coizitas mais, um dos mais antigos resolveu me mostrar, a pedidos dos presentes, uma de suas composições. Jorge empunhou a viola, deu uma pigarreada, falou o nome da música (Viajando) e soltou o primeiro acorde. Para minha surpresa eu sabia a letra todinha e comecei a cantar junto.

Surpreendidos por eu saber a letra, logo todos perguntaram como era possível...Rapaz, eu confesso que pensei duas vezes, mas como quem me conhece sabe que eu falo mesmo, falei:

- Essa música não é do Ventania não? Aquele ‘’maluco de BR’’?

Pronto, a sacanagem e encarnação em cima de Jorge começaram, piadas e tiração de onda muita... Ganhei a confiança deles e logo tive a honra de puxar uma versão de “sociedade alternativa” na viola.

Depois de dois dias de convivência e de entender quem eram aquelas pessoas, resolvi pedir uma entrevista coletiva, o assunto seria a enigmática e nômade vida de cambista ou vendedor de ingresso, como eles mesmos se intitulam.

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Em pé na foto > Bibi Brasil, Joel, Robson / Sentados Jorge, Tito, Pantera e Tatá.


APASSEIO > Jorge, você tem quantos anos e há quanto tempo é vendedor de ingresso?

Jorge > Eu tenho 33 anos e há 5 anos vendo ingresso?

APASSEIO > Como é que surge essa oportunidade de viajar vendendo ingresso e decidir perseguir as festas?

Jorge > Isso foi uma opção né, devido ao desemprego na cidade e no Brasil todo, agente optou por esse lado. Vem pra trabalhar, acaba curtindo, se envolvendo e entra nessa vida de vender ingresso e viajar.

APASSEIO> Você falou desse lado de curtir. Vocês acham que levam uma vida carpe diem, vocês vivem o dia mesmo? Porque é uma vida louca ne? Tem dia que vende e tem dia que não vende.

Jorge > Tem dia que a gente ganha e tem dia que a gente perde né cara. Mas de fato, o que a gente ganha mais é indo pros interiores, viajando, conhecendo o Brasil todo. De ponta a ponta ta entendendo? Tem festa que a gente ganha dinheiro, tem festa que não ganha, é muito relativo esse lado

APASSEIO> Trocando idéia é fácil perceber que vocês realmente fazem parte da festa, porque tudo que vocês fazem, vocês estão em contato com os organizadores das festas.

Jorge > Isso é verdade, se não fosse os cambistas, não teria a festa. Tem festa que eles fazem que tem gente que nem sabe que vai ter a festa no local. E através dos cambistas que ele divulga, é com a gente vendendo ingresso na esquina em lugares diferentes. A gente contribui às vezes com a maior parte da festa. E muitas vezes eles não reconhecem isso.



APASSEIO > Como é a relação de vocês? Do cambista ou vendedor de ingresso com os donos das festas? Como se dá?


Jorge > Eu mesmo, a relação que eu tenho com dono de festa é pouca. Tem lugar que a gente vai, uma vaquejada dessa, eles dão uma ‘’colher’’. Se eles tão vendendo a mercadoria a R$20,00, eles vendem pra gente por R$18,00 ou R$18,50.. Mas não é em todo lugar, pois a concorrência é muito grande. Quantidade, por exemplo, aqui no Crato que tem mais de 300 cambistas, só umas 50 pessoas pegam a colher, os 250 pegam na zoeira, compram a R$10,00 pra tentar vender a R$11,00, R$12,00.e tentar apurar um real a cada ingresso, acontece tá entendendo. Mas não é sempre, tem festa que eles dão a colher, a gente compra a mercadoria na mão dos donos das festas, os blocos mesmo. A gente agora ta indo pro Fortal, a mercadoria lá custa um preço, a gente compra mais barato e ai vai.

APASSEIO> Você falou que muitas vezes não reconhecem, o que não reconhecem?

Jorge > Èeeee, tipo assim, tipo Porto Seguro, em arraial da Juda. Lá tem uma organização de cambista, que não chama cambista, chama comissário de venda. Ele dá um crachá pro cara trabalhar, ta entendendo? E você compra a mercadoria direto da mão do homem, do dono da festa, justamente pra evitar ingresso falso, que rola muito ingresso falso né. Aí às vezes uma pessoa faz e mil pagam ta entendendo. Então, se tivesse isso em todas as festas evitaria mais esse negocio de ingresso falso e facilitaria mais pra gente trabalhar. Trabalhar como um profissional comum mesmo, como um profissional qualquer, eu sou como todo mundo... Tenho família ta entendendo.

APASSEIO> Bôra conversar TITO, tu que tá a tantos anos nessa batalha?

Tito . Que conversa, e dou duas palavras ai e tá certo...Falou do cara lá da real? (pergunta a Jorge)... Tem que falar porra! Os cara tão ai com 500, 600 ingresso, agorinha.

Jorge> A oito?

Tito > Não, a nove e cinqüenta. Agora você veja, a farmácia não fecha que é 24 horas, ai a gente quebra né velho!

APASSEIO> Tu é de Recife né?! Quanto tempo nessa vida?

Tito > 33 anos.

APASSEIO> E o que você já conseguiu juntar pra tua vida?

Tito > Já comprei duas casas... (uma pausa dramática)..., uma eu perdi pra mulher e a outra – neste momento todos na sala riem demasiadamente –

APASSEIO> A outra o que?

Tito > Rapaz é muita mulher... Chegou uma menina agorinha lá no hotel véi, cada menina bonita da porra pedindo ingresso, ai é foda.

APASSEIO > Tem essa história né, que cambista é mulherengo, o cara ganha o dinheiro e gasta tudo com mulher, farra e ...

Todos falam...

Tito > Ontem, a gente comprou um litro de Teacher (uísque) lá dentro, eu, ele (Robson) e outro.


APASSEIO> E ai? E as mulheres?

Tito > Baguncei lá dentro ora mais, eu curto Asa (banda Asa de Águia, do Durval, saca?) ora porra. Não pago pra entrar, mas tive eu pagar ontem, não achei os cara, os empresários, pra me colocar pra dentro.

APASSEIO > Agora eu quero perguntar uma coisa que é um pouco mais delicada. Vocês tinham me falado que a policia quando pega, leva tudo. Como é a relação do vendedor de ingresso, do cambista com a policia já que vocês não são normalmente legalizados?

- Um ar de receio toma conta da sala, tito fala sobre um episódio isolado com conformação até Pantera mandar uma letra pra não fica tocando nesse assunto –

Pantera> Tá bom desse papo né não?

APASSEIO > Pêra ai porra, olha ai, eu falo da policia vocês não gostam de falar ne não? Diabo é isso? Tem que contar as coisas.

Tito > Rapaz... Eu nunca fiz nada a eles, e também nunca derrubei nenhum deles.

APASSEIO > É na base do respeitar os mais fortes então ne? Porque eu escutei vocês falando da história de ganhar vocês.

Tito > Eu sei do ramo que eu convivo, já me deu vitória, minhas filhas tem estudo, meu filho é um tremendo serralheiro. Isso acontece porque nós não somos legalizados, não é segredo pra ninguém.

Um comentário:

Rebeca disse...

Interessantíssimo!
Muito bom ouvir o outro lado da história.
Mas que dá uma raiva de cambista dá viu!?
É curioso o medo da polícia, não falaram quase nada a respeito.